Pela janela vieram
Os aromas do verão
E a luz da serra
Banhou as flores
E os nossos corpos
Alados de almas gémeas
Infinitamente




 

Fábula












De mãos dadas ao sol
Fábula de coelho e pássaro
Escondidos nas ervas
Espécie de visitação aos humanos
De mãos dadas ao sol
Zambujeiro bravo e imóvel
Que tentas parar o tempo

Oásis












Cedo na praia a imaginação viaja entre concavidades da areia como dunas de relevo definido pela luz da manhã. Incorporo-me reduzido à sua escala situado a atravessar ao sol abrasador o deserto por conquistar.
À frente águas frescas e árvores de tâmaras douradas de açúcares passam-me da memória à boca e, enquanto sonho, exércitos de escaravelhos transportam-me como um Gulliver adormecido de oásis em oásis.

Soltar














Solto das páginas palavras, ágeis como tatuagens na tua pele. Contam histórias dos gestos, as minhas mãos inclinadas sobre ti como cornucópias.

Desviante












Viajante, desviante, por mim passam postes desfocados, bocados de coisas anónimas num tempo lento, indagante.

Foi a Flor












Renasceu a flor ainda ontem cabisbaixa pisada pela espécie rinoceronte, apanhou num fluxo de clorofila quantos não contavam. Tentando salvar-se, quiseram arrepender-se. Mas a flor que depois de se enraízar vegetal e física podia ficar imóvel e ancorar à sua volta, em vez disso, deixou-se polinizar. Foi uma borboleta com a sua trompa. Foi a flor a deixar acontecer um prado à beira de um rio, transparente desenfreado.

Metamorfose


Pequena flor das margens do rio que no xisto quiseste ser marioneta de sombra, que mistério é o da tua metamorfose virtual de lepidoptera cheia de desconfiança? Cautelosa aproximação camuflada entre os líquenes dos tempos.

Vaga


Vaga de champanhe rebentada, acamada em silício, reflectes brilho de outra explosão mais longe. O meu destino nos teus limites, nesse pudor de não me submergires, desejei-me fóssil a ser encontrado a milhões de anos.

Lalique


Bravo e agreste emaranhado ao sol das cigarras, Lalique suspenso de libélulas, gravetos de memórias, eternos palimpsestos. Regresso sempre a tempo, esperai contra os ventos.

Obra


Visão imposta, quis ver em ti um Rothko. Desenhei-te, imobilizando sobre ti debruçado, infinito. Do teu sinistro fiz sublime, deves-me uma, coisa ruim, estrondosa.

Quero que Saibas


Vejo-te, pai, ao ver-me. Vejo-nos e tenho-nos inscritos em mim. A tua mão grande na minha pequena, a tua voz séria na minha gargalhada. Quero ser alto como tu e correr como corres. Um espelho que é nada tudo diz. Espírito matéria, espectro corpóreo. A minha lente de monóculo tudo amplia eternamente à tua procura, tudo sinto num raio de sol quente à lupa. Quero que saibas.

In Foresta


Devo penetrar-te? Ofereces-te a abraçar-me e levar-me ao fundo. Irei descer e atravessar-te, parar, admirar-te, floresta toda, ramificada e densa.


Real Avatar

No silêncio sombrio de tua físico-química morada reconheci o teu corpo estendido, rosto magro pétreo e o teu real avatar de ferro fundido ao teu lado, vigilante. Oras eternamente a paz. A nossa, da tua deixa vivemos a identidade. E pode até ser de guerra, a lealdade.

Pêndulo


Percorrendo-te experimentei as tuas linhas contorcidas e inclinado chamaste-me ao teu labirinto de brilhos e reflexos de bronze e prata. Que janela é a tua que tudo prende e magnetiza? Esperavas-me.
Descobri o teu contorno inundado, o teu olhar como um pêndulo, e de mãos dadas ecoámos pela música.


Pássaros

Ameaçados pelo torpor do fumo, com corpos alados encheram o espaço num corropio de rodopio. No calor pesado de fim de tarde e céu azul já escuro, fizeram de constelações de estrelas num nocturno em negativo, caos cósmico sem órbitas, tal era a confusão..

David e Golias












Pelo arame e o pano verde vi o sol e cinco gatos às cores, manchas e listas na erva esfregavam-se. Descendo num tapete voador de cheiro a mofo amarei raso à água e foi ter o meu olhar fundo ao longe: um David e dois Golias às ondas que arrebatadores não me fizeram esquecer outro mundo de teatro de sombras. Mas só lhes conhecí a silhueta.