Cedo na praia a imaginação viaja entre concavidades da areia como dunas de relevo definido pela luz da manhã. Incorporo-me reduzido à sua escala situado a atravessar ao sol abrasador o deserto por conquistar.
À frente águas frescas e árvores de tâmaras douradas de açúcares passam-me da memória à boca e, enquanto sonho, exércitos de escaravelhos transportam-me como um Gulliver adormecido de oásis em oásis.
Renasceu a flor ainda ontem cabisbaixa pisada pela espécie rinoceronte, apanhou num fluxo de clorofila quantos não contavam. Tentando salvar-se, quiseram arrepender-se. Mas a flor que depois de se enraízar vegetal e física podia ficar imóvel e ancorar à sua volta, em vez disso, deixou-se polinizar. Foi uma borboleta com a sua trompa. Foi a flor a deixar acontecer um prado à beira de um rio, transparente desenfreado.
Pequena flor das margens do rio que no xisto quiseste ser marioneta de sombra, que mistério é o da tua metamorfose virtual de lepidoptera cheia de desconfiança? Cautelosa aproximação camuflada entre os líquenes dos tempos.
Vaga de champanhe rebentada, acamada em silício, reflectes brilho de outra explosão mais longe. O meu destino nos teus limites, nesse pudor de não me submergires, desejei-me fóssil a ser encontrado a milhões de anos.
Bravo e agreste emaranhado ao sol das cigarras, Lalique suspenso de libélulas, gravetos de memórias, eternos palimpsestos. Regresso sempre a tempo, esperai contra os ventos.
Visão imposta, quis ver em ti um Rothko. Desenhei-te, imobilizando sobre ti debruçado, infinito. Do teu sinistro fiz sublime, deves-me uma, coisa ruim, estrondosa.
Vejo-te, pai, ao ver-me. Vejo-nos e tenho-nos inscritos em mim. A tua mão grande na minha pequena, a tua voz séria na minha gargalhada. Quero ser alto como tu e correr como corres. Um espelho que é nada tudo diz. Espírito matéria, espectro corpóreo. A minha lente de monóculo tudo amplia eternamente à tua procura, tudo sinto num raio de sol quente à lupa. Quero que saibas.
No silêncio sombrio de tua físico-química morada reconheci o teu corpo estendido, rosto magro pétreo e o teu real avatar de ferro fundido ao teu lado, vigilante. Oras eternamente a paz. A nossa, da tua deixa vivemos a identidade. E pode até ser de guerra, a lealdade.
Percorrendo-te experimentei as tuas linhas contorcidas e inclinado chamaste-me ao teu labirinto de brilhos e reflexos de bronze e prata. Que janela é a tua que tudo prende e magnetiza? Esperavas-me.
Descobri o teu contorno inundado, o teu olhar como um pêndulo, e de mãos dadas ecoámos pela música.
Ameaçados pelo torpor do fumo, com corpos alados encheram o espaço num corropio de rodopio. No calor pesado de fim de tarde e céu azul já escuro, fizeram de constelações de estrelas num nocturno em negativo, caos cósmico sem órbitas, tal era a confusão..
Pelo arame e o pano verde vi o sol e cinco gatos às cores, manchas e listas na erva esfregavam-se. Descendo num tapete voador de cheiro a mofo amarei raso à água e foi ter o meu olhar fundo ao longe: um David e dois Golias às ondas que arrebatadores não me fizeram esquecer outro mundo de teatro de sombras. Mas só lhes conhecí a silhueta.